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O papel do chão da escola no combate ao racismo

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DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

A desigualdade racial tem várias faces. Uma das mais conhecidas é a diferença salarial entre negros e brancos no Brasil. Em 2019, o IBGE revelou que brancos ganham 68% a mais do que os negros. Atualmente, no Brasil mais de 40% da população negra ocupada recebe até 1.100 reais, segundo estudo da consultoria IDados.

A origem dessa desigualdade tem um nome: racismo estrutural. E não se trata de um conceito abstrato, ele tem efeito concreto na vida das pessoas e determina o futuro de gerações – a começar pelo próprio chão da escola.

Segundo o estudo para discussão publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) “Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90”, a diferencial salarial entre brancos e negros está associado à desigualdade educacional e parte da herança da discriminação educacional infligida às gerações dos pais dos estudantes.

Por exemplo, a escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. Essa diferença de 2,3 anos é constatável ao longo de todas as gerações do último século. Ou seja, pelo menos até os avós do estudante.

Em outras palavras, o racismo incide sobre a população negra e determina as suas condições sociais por gerações.

Por isso, as professoras e os professores devem desempenhar o papel essencial de promover uma educação antirracista nas escolas. Esse potencial transformador assusta as elites e os setores radicais da população que ainda insistem em reforçar ideias racistas.

Não por acaso, os profissionais da educação foram a categoria profissional mais atacada por extremistas desde a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, em 2019, cujas ideias se expressaram em palavras (como se referir a negros quilombolas como animais pesados em arroba), em atos (como receber uma deputada alemã líder de um partido neonazista ou beber leite puro – que é uma representação comum dos supremacistas norte-americanos – em uma live), ou pela representação imagética de membros do governo em lives ou atos públicos.

 

Criança negra na escola

A pesquisadora Joana Célia dos Passos, doutora pela UFSC, revela um aspecto fundamental do impacto do racismo na socialização escolar – que não é um fenômeno recente, mas faz parte da estrutura fundante da própria história da universalização da educação.

Ela explica que a presença de crianças negras na escola é parte da história do Brasil desde fins do século 18, quando a relação entre negros e educação foi construída contemporaneamente à abolição da escravidão. Naquela época, a instrução tinha como objetivo disciplinar a população que trazia consigo os “vícios” da senzala e da raça. As crianças negras nascidas livres deveriam ter acesso à educação, no entanto, não deveriam ser inseridas na cultura da leitura e da escrita, pois isso poderia “comprometer” sua função no processo produtivo.

O objetivo da educação, portanto, nessa perspectiva, era contribuir para edificar uma realidade social para o Brasil na qual as crianças negras não eram tratadas como crianças, mas sim, como trabalhadores negros do futuro.

Segundo a pesquisadora, as práticas educativas não buscavam uma transformação no status dos negros na sociedade livre, mas sua manutenção na condição que foi tradicionalmente construída ao longo de mais de três séculos de contato entre negros e brancos: deveriam permanecer como a parcela de mão-de-obra do estrato mais baixo do processo produtivo e ter suas influências sociais controladas ou minimizadas para que a população brasileira não sofresse um súbito processo de “africanização” junto à abolição do trabalho escravo.

Ou seja, historicamente, a educação oferecida aos negros priorizou as técnicas e habilidades necessárias para o trabalho livre na modernização e no capitalismo emergente. E as bases de regulação dessa oferta de educação, dessa “universalização”, não veio para atender às expectativas e necessidades da população que necessitava se escolarizar, mas sim, para atender ao modelo de desenvolvimento defendido pelas elites dominantes, significando, marcadamente, o controle dessa oferta de educação por parte da própria elite.

Como elemento de estratificação social, o racismo também se materializa na cultura, no comportamento e nos valores dos indivíduos e das organizações sociais na sociedade brasileira, perpetuando uma estrutura desigual de oportunidades sociais para os negros.

As desvantagens educacionais acumuladas, por exemplo, fazem com que muitos jovens e adultos negros procurem a EJA para concluir a escolarização básica, aponta a pesquisadora Joana Célia.

Essas bases estruturantes da educação pública brasileira cobram sua fatura até hoje no chão da escola, no cotidiano da comunidade escolar e no comprometimento de gerações inteiras.

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