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Currículo nacional único precisa driblar incertezas

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GAZETA DO POVO: O plano do Ministério da Edu­­cação (MEC) de elaborar um currículo nacional único para a educação básica, anunciado no mês passado, despertou reações diversas por parte de pesquisadores e profissionais da área. Em geral, a iniciativa é recebida com otimismo, mas o processo pelo qual esse currículo será definido e os mecanismos para torná-lo efetivo causam dúvidas e preocupações. O Brasil já possui orientações para uma base curricular comum, mas os especialistas são unânimes ao afirmar que os documentos existentes são genéricos demais, causando uma grande variação nos conteúdos ensinados aos alunos em todo o país.

Nos últimos anos, o mais próximo ao que se chegou do atual plano foram os Parâmetros Curricu­­lares Nacionais (PCNs), criados em 1996, obrigatórios à rede pública e opcionais às escolas particulares. Suas diretrizes foram refeitas vá­­rias vezes, mas ainda assim não chegaram a indicar conteúdos. “Eles falam de princípios, de áreas, mas são realmente muito gerais e não delimitam um mínimo a ser trabalhado”, afirma a coordenadora do curso de Pedagogia nas Fa­­culdades Integradas do Brasil (Uni­­Brasil), Paulla Helena de Carvalho.

Exames

Sem um norte comum, as redes estaduais, municipais e privada vêm definindo com plena autonomia os tópicos a serem trabalhados nas disciplinas de Português, Matemática e Ciências, por exemplo. Mas o que parece ser um aspecto positivo de respeito à diversidade nacional tem consequências ruins aos estudantes, especialmente aos que participam de testes como o Exame Nacional do En­­sino Médio (Enem) e a Prova Brasil, nos quais são cobrados conteúdos que muitos alunos não chegaram a estudar.

“Esse é o lado bom da unificação curricular. Se os conteúdos forem obrigatórios para todos, as escolas não serão pegas de surpresa e os alunos não serão prejudicados”, comenta Paulla. Para a professora, as principais questões nessa discussão são como os conteúdos ou as expectativas de aprendizagem serão definidos e quem será responsável por isso. “Na época dos PCNs, as ideias vieram prontas, faltou debate. Uma unificação curricular exige a participação de toda a sociedade, nem que seja de forma representativa”, enfatiza.

Professores

Os estudantes não seriam os únicos diretamente atingidos pela unificação. Segundo a professora do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Evelise Portilho, a formação dos docentes precisa ser rediscutida. “O preparo dos nossos professores é bastante diferente de um estado para o outro e eles precisam ser formados com foco na aprendizagem dos alunos”, diz.

Ainda que não seja a orientação das redes de educação pública, Eve­­lise confirma que é frequente, na prática de muitos profissionais, a escolha do que será ensinado aos alunos com base no índice dos li­­vros didáticos. Sobre isso, ela alerta para o problema: “A gente se pergunta até que ponto não são as editoras que estão definindo o conteúdo para as crianças”.

A secretária de Educação da cidade do Rio de Janeiro, Cláudia Costin, levanta outro problema. “Nossos concursos pú­­blicos exigem que os futuros professores saibam tudo sobre legislação e teorias da Educação, mas ig­­noram as habilidades necessárias à prática em sala de aula”, la­­menta. Para Cláudia, a única forma de qualquer nova diretriz funcionar de fato é persuadindo os profissionais de que determinado conteúdo é mesmo importante para os alunos. “Ninguém faz revolução na educação sem os professores.”

Preferências locais e novos governos ampliam diferenças

Com a ausência de um currículo nacional, a prática de estados e municípios tem sido especificar gradualmente as expectativas de aprendizagem até chegar à sala de aula. A partir dos textos das diretrizes nacionais, cada estado cria as suas próprias metas e os municípios afunilam ainda mais esse processo, indicando os conteúdos ou delegando à escola essa tarefa. Como reflexo, os currículos ficam bastante diferentes.

A rede municipal de Curitiba, por exemplo, optou por princípios norteadores bastante específicos, como Educação para o Desenvolvimento Sustentável, Educação pela Filosofia ou Gestão Democrática, que teoricamente permeiam todas as disciplinas. Já a prefeitura do Rio de Janeiro prioriza a praticidade na apresentação de suas orientações curriculares. Em vez de longos textos explicativos, usa tabelas com sugestões de atividades, habilidades que devem ser adquiridas e explicita os conteúdos a serem trabalhados. Em São Paulo, a divisão das expectativas de aprendizagem é feita por eixos como Natureza e Sociedade ou Artes e Educação Física.

Alternância

Outro fator que provoca mudanças curriculares importantes dentro de um mesmo município ou estado são as sucessões no poder. Nas três prefeituras mencionadas, os programas curriculares foram reformulados pelas atuais gestões ou por aliados de gestões anteriores. Na rede estadual do Paraná, por exemplo, as expectativas de aprendizagem foram todas refeitas logo que o atual grupo político – opositor ao anterior – assumiu a gestão.

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