• Home
  • »
  • Geral
  • »
  • ARTIGO: Gustavo Ioschpe – O Palpiteiro Privatista

ARTIGO: Gustavo Ioschpe – O Palpiteiro Privatista

Facebook
Twitter
WhatsApp
Telegram
profes2

É comum encontrar, na mídia comercial, textos e entrevistas com especialistas que, na verdade, desconhecem por completo a realidade da educação pública. Por adotarem uma abordagem superficial ou por estarem vinculados a determinados interesses ideológicos e comerciais, esses “especialistas” acabam por difundir uma leitura equivocada de que os problemas do ensino público só podem ser resolvidos através da sua privatização.

Confira abaixo o artigo da professora Viviane Bastos, da Escola Municipal Antônio Pietruza. No texto, a professora critica a perspectiva defendida pelo economista e colunista da revista Veja, Gustavo Ioschpe.
 


Gustavo Ioschpe: O Palpiteiro Privatista

Mais uma vez palpitando a respeito da educação pública em detrimento dos modelos educacionais privatistas defendidos pela Veja…

Por Viviane Bastos¹

Não é difícil entender Gustavo Ioschpe. Ele tem uma formação acadêmica cara e de princípios privatistas, com duas graduações por Wharton School² e mestrado por Yale³. Porém entender a sua formação não significa aceitar suas falações pequenezas em matéria de educação. Se o referido se dignasse a falar de dados estatísticos da economia capitalista, defendendo-a e ignorando as crises e espoliações que este sistema nos causa, eu ainda suportaria. Até porque como ele existem vários outros por aí, escrevendo artigos ao seu bel prazer para as “imparciais” e “democráticas” Veja, Isto é, Folha e outras. No entanto o Senhor Ioschpe resolve dar seus “pitacos” na área das Ciências Humanas e da Educação. Nada contra economistas que se especializam em educação e contribuem para as discussões educacionais, desde que tenham investigação prática, coerência e ética. Ioschpe, porém, cisma em falar de educação e ainda mais da educação pública, sem o mínimo de respeito e cientificidade.

Ignorante em matéria de humanidades o autor escreveu para Veja uma matéria intitulada: “Aula de ética é em casa, não na escola” (28/06/2010). Vejamos: Gustavo neste artigo defende a não abordagem da ética e cidadania na escola, em detrimento dos conteúdos (pesquisa empírica, neurociência, etc.) que devem ser “ensinados”, aos alunos. Neste sentido, percebe-se que, Gustavo teve realmente em sua formação pouca noção de ética e cidadania, em que o indivíduo conhece, respeita e contribui para a melhoria das condições reais de seu país. Talvez a sua cidadania tenha se baseado na formação dos países de capitalismo desenvolvido, quais sobrevivem da expropriação que fazem das riquezas do “terceiro mundo”, portanto dignam-se a pensar de forma reducionista quando o assunto é direitos e deveres. Embora em seu artigo cite a pesquisa empírica, em sua prática ele nega esta palavra escrevendo este artigo baseado em seu achismo misturado com alguns dados destorcidos.

Ioschpe argumenta que em um país como o Brasil onde os índices de educação não são satisfatórios, deveríamos nos preocupar menos com lições de moral e mais com a defasagem de conteúdos. Ataca professores de geografia, história e língua portuguesa por apresentarem uma formação marxista. Um tremendo preconceito.

Preocupa-se com o ensino de ciências e da preservação ambiental, dizendo que não quer que seu filho aprenda isso, pois o corte de algumas árvores pode fazer com que melhorem as condições de vida de algumas pessoas sem renda.

Francamente. Acredito que por mais “ingênuos” e despolitizados que possam ser os leitores da revista, todos são capazes de compreender o que é o ensino de preservação ao meio ambiente. Até as crianças da primeira etapa do ensino fundamental sabem diferenciar o desmatamento em grande escala e ações dos pequenos produtores rurais para a sua subsistência. Porém, o célebre autor em seu texto provavelmente não se referia aos pequenos produtores, mas sim estava preocupado com os latifundiários que destroem o meio ambiente para produzir monoculturas para exportação, melhorando assim os dados econômicos internacionais do país, gerando renda precária para os camponeses semi-escravos e grandes lucros para os fazendeiros.

Ioschpe ataca os professores chamando-os de dogmáticos e, assim, mostra o seu desrespeito pelos profissionais da educação e sua precária formação na área de educação. Desconsidera os ensinamentos básicos dos clássicos: Rosseau, Vygotsky, Freire, Gramsci, e o próprio Marx. O colunista nega a consciência coletiva, formada durante a nossa socialização, composta por tudo aquilo que habita nossas mentes e que serve para nos orientar com relação ao ser, ao sentir.

Esta idéia é a concepção geral não só de Ioschpe, mas também da revista Veja como um todo. Esta concepção se aproxima da perspectiva da pedagogia não-diretiva, ou pedagogia da neutralidade, que se volta mais para a criação de métodos do que a formação do conteúdo. Segundo Moacir Gadotti, essa pedagogia visa o desenvolvimento cognitivo dos alunos a despeito da conscientização político-social. Claramente este modelo de educação inculca valores como o individualismo nos alunos, sem que as pessoas se apercebam, privilegiando-se o esforço, o trabalho e os sucessos individuais, em detrimento do trabalho em equipe, da valorização da ajuda mútua e da solidariedade.

O autor inicia seu artigo dizendo estar preocupado, pois nas escolas ouve-se pouco falar em desenvolvimento cognitivo. Tomemos então como referência um dos teóricos mais utilizados nesta área; Jean Piaget. Para ele a própria moral pressupõe inteligência, haja vista que as relações entre moral x inteligência têm a mesma lógica atribuída às relações inteligência x linguagem. Quer dizer, a inteligência é uma condição necessária, porém não suficiente ao desenvolvimento da moral.

Sem nenhuma prática na área de educação, o autor não considera que as crianças em idade escolar estão em pleno desenvolvimento sócio-cognitivo e tem limitações ao colocarem-se no lugar de outrem, necessitando, portanto, de noções e indicações de valores éticos e morais. Mesmo entendendo e concordando que a criança deve receber em casa determinados valores, não é possível ignorar que os educandos passam de 4 à 6 horas na escola e que esta cumpre um grande papel nos referenciais éticos do aluno.

Não podemos ignorar que muitas de nossas crianças vão nutrir-se de carinho, atenção e noções básicas de ética somente na escola. Isso para não citarmos os casos mais severos, que não são poucos, onde as crianças fazem apenas na escola a sua única alimentação, recebem noções básicas de higiene e comportamento humano. Será possível que o autor defende que as crianças da favela, recebam apenas a noção ética presente nas ruas que circundam as suas casas, onde morrem cada dia mais pessoas por balas perdidas em tiroteios dos traficantes com a polícia?
Sabemos da luta das famílias honestas que residem nas periferias e que buscam da melhor forma educar seus filhos. Mas é fato, também estatístico, que nas comunidades pobres as crianças têm maior envolvimento com drogas e criminalidade.

Durante todo o artigo percebo também uma grande confusão por parte do autor com relação á avaliação. Primeiro nosso digníssimo “comentarista de educação”, cita dados do IDEB⁴ comparando-o com o PISA⁵. Contudo, faz-se necessário primeiro lembrarmos como o próprio autor em seu artigo, que estes são dois sistemas diferentes de avaliação. Deixo claro que meu objetivo não é defender o IDEB e nem o PISA, porém como é a referência do autor devo citá-los.

O PISA é uma avaliação de caráter internacional. Isto implica na necessidade de levar em conta diferenças culturais, de valores e tradições nos diversos países no qual é aplicado. Ao mesmo tempo, é necessário verificar os conhecimentos que foram obtidos no currículo escolar de ciência, principalmente, para fornecer um indicador a respeito do sistema educacional do país comparativamente aos outros.

Segundo, que a avaliação depende dos objetivos a serem atingidos. Ou seja, cobramos o que queremos que o aluno domine. Pelo jeito Ioschpe defende um ensino quantitativamente técnico, pois sempre se espelha em dados e não em processos qualitativos, que em minha opinião garantiria a formação de verdadeiros cidadãos. Em terceiro lugar o autor deveria consultar qualquer livro, apostila ou artigo a respeito da Educação Comparada. Em minha formação acadêmica tínhamos uma disciplina com este nome, um de seus princípios básicos era analisarmos a educação dentro do contexto social, histórico, político e econômico de cada país. Pelo visto o autor ao invés de referenciar-se em Educação Comparada, referencia-se em Educação Comprada!

Notas de rodapé:

1- Graduada em Pedagogia pela UFPR – Universidade Federal do Paraná. Pós graduanda em Arte e ensino de Arte, pela FAP – Faculdade de Artes do Paraná. Professora da rede municipal de ensino de Curitiba.

2 – Localizada no campus da Universidade da Pensilvânia, na cidade da Filadélfia, foi fundada em 1881, tendo sido a primeira escola universitária de negócios nos Estados Unidos. Mundialmente reconhecida por sua liderança, inovação e excelência acadêmica em todas as disciplinas e em todos os níveis de educação executiva, possui um dos mais numerosos corpos docentes entre as escolas de negócios do mundo, com 290 membros, entre efetivos e associados. Há quatro anos permanece como o melhor Global MBA no ranking do Financial Times, o que comprova o excelente nível da escola e de seu corpo docente.

3- A Universidade Yale é uma universidade privada situada em New Haven, Connecticut, Estados Unidos da América. Fundada em 1701 sob o nome de Collegiate School, Yale é a terceira instituição de ensino superior mais antiga dos Estados Unidos. Ela formou numerosos laureados dos Prêmios Nobel, juízes do Supremo Tribunal norte-americano e presidentes dos Estados Unidos, incluindo William Howard Taft, Gerald Ford, George H. W. Bush, Bill Clinton e George W. Bush.

4- O Ideb foi criado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em 2007, como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Ele é calculado com base na taxa de rendimento escolar (aprovação e evasão) e no desempenho dos alunos no SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e na Prova Brasil.

5- O PISA (Programme for International Student Assessment) é um programa internacional de avaliação educacional organizado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Propõe-se a fazer uma avaliação do desempenho dos estudantes de 15 anos de idade para obter indicadores relativos aos sistemas educacionais dos países participantes. O Brasil participa, de forma voluntária, através do INEP.

REFERÊNCIAS

GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. Ática. São Paulo, 2000. 319p.
PIAGET, Jean. O julgamento moral na criança. Editora Mestre Jou. São Paulo, 1977.
Rousseau, J.-J., O Contrato Social, Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, Tradução de Lourdes Santos, Ed.Abril, São Paulo 1973.

Sites Consultados
http://www.mec.gov.br/ em 15/07/2010
http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/ em 15/07/2010
http://www.yale.edu/ em 15/07/2010
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gustavo_Ioschpe em 16/07/2010
http://veja.abril.com.br/ em 16/07/2010
http://www.wharton.upenn.edu/ em 16/07/2010
 

Posts Relacionados