Na mídia: Colégio gaúcho vira palco da “revolta do shortinho”

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20160225

Descontentes
com uma norma da escola que proíbe o uso de shorts pelas alunas, centenas de
alunos do Colégio Anchieta, de Porto Alegre, reuniram-se na manhã de
quarta-feira (24) para protestar contra a medida. Os costumeiros 20
minutos de intervalo se estenderam por quase uma hora com o protesto.

Meninos
também vestiram camisetas pretas em sinal de apoio à causa. Munidas de cartazes
e com as bochechas pintadas com listras pretas, as alunas usaram o recreio para
entoar hinos criados em grupos do Facebooke do WhatsAppcom mais
de 300 membros e também para fazer um minuto de silêncio.

A
manifestação ocorreu no dia seguinte à criação de um
abaixo-assinado on-line
chamado “Vai ter shortinho sim”, que
relaciona a proibição da vestimenta à cultura de violência contra a mulher. No
texto, as meninas pedem que a escola “deixe no passado a mentalidade de que
cabe às mulheres a prevenção de assédios, abusos e estupros; exigimos que, em
vez de ditar o que as meninas podem vestir, ditem o respeito”.

A
mobilização começou com um grupo de meninas do 9.º ano que não se conformou com
a atitude da diretoria do colégio que, segundo o relato das estudantes, veta,
tira da sala e até manda para casa meninas que não estejam vestidas de acordo
com os padrões exigidos.

Elas contam
que coordenadores e membros da direção costumam visitar as salas de aula para
verificar se os shorts estão na altura das mãos das meninas com os braços
esticados ao longo do corpo. Quando não se enquadram nesse quesito, as alunas
podem levar advertência e serem convidadas a ir para casa ou até mesmo a trocar
de roupa.

#vaiter shortinho sim

Casos
semelhantes ao do Colégio Anchieta ocorreram em São Paulo, Rio Branco e até em
outra escola de Porto Alegre. Na capital paulista, um abaixo-assinado realizado
no ano passado no Colégio Etapa, onde a campanha se chamava “Vai ter shortinhos
sim!” conseguiu liberar o uso da vestimenta pelas alunas.

Mobilização

Enquanto
o protesto tomava forma, Giulia Morschbacher, 15 anos, aluna do 2º ano do
Ensino Médio, foi para internet pesquisar como criar um abaixo-assinado. Depois
de escrever um manifesto sobre o tema, a adolescente publicou a página, que
logo depois já tinha mais de 9 mil assinaturas.“Eu falo com a coordenadoria há
três anos questionando isso e nunca tiveram interesse em considerar a
discussão. O abaixo-assinado será enviado para a diretoria para que eles vejam
que não são só os anchietanos que querem o diálogo”, diz, ao se referir ao fato
de que pessoas de outros pontos do Brasil assinaram o documento digital. “A
gente quer incluir questões políticas e sociais no colégio”, completa Giulia.

Ciente da
mobilização da filha, a publicitária Ana Cristina Morschbacher apoia a atitude.
“Fiquei superorgulhosa da movimentação que elas criaram. Não esperava tudo
isso. A forma como é tomada a decisão é antiquada. Não acho que colégio seja
lugar para usar shortinho muito curto ou roupa muito cavada, mas é preciso ter
uma adequação ao clima. Tem de ter essa liberdade, mas sem ser obsceno e não
levar para o lado da objetificação do corpo da menina”.

Segundo
Marcela Alvarenga de Freitas, 15 anos, também aluna do 2º ano, a escola alega
que o uso do short poderia distrair colegas e professores. “É um absurdo
falarem isso.”

Direção diz acompanhar o caso

O Colégio
Anchieta, por meio da assessoria de comunicação, informou que “está
acompanhando a reivindicação dos alunos de trazerem para discussão temas da
atualidade presentes no contexto educativo e social”. “Por isso, reitera que
está dialogando com a comunidade anchietana (alunos, pais, professores,
funcionários) sobre as questões em pauta.”

Discussão

Especialistas
ouvidas pela reportagem concordam que o colégio precisa promover o diálogo
sobre o tema com os alunos e os familiares. “A roupa, para mim, é uma forma de
expressão, a escola é um local de trabalho, é do coletivo, mas o diálogo é o
caminho para tudo. Tem de sentar, discutir e ver porque querem sair desse jeito
e não de outro”, avalia a professora Eva Regina Carrazoni Chagas, das
faculdades de Educação e Ciências da PUCRS e especialista em Educação Sexual.
Embora afirme que vivemos em um mundo altamente sexualizado, Eva defende que o
argumento usado pela escola é muito frágil. “A escola tem de abrir espaço para
discussão, inclusive com os pais. E a abordagem tem de ser essa: que é um
ambiente de trabalho”.

Professora
e integrante do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da UFRGS,
Jane Felipe acredita que o primeiro passo é o colégio estar consciente do tempo
em que vive. “Antes de proibir ou baixar uma normativa, é preciso entender o
contexto social e político em que se está. Hoje em dia, não se aceitam mais
concepções machistas em que as mulheres sejam responsabilizadas pela distração
dos homens no trabalho ou na escola, pelo estupro ou pelo assédio. Isso é inaceitável”.

2015 foi o ano das mulheres

Para ela,
isso evidencia a necessidade em abordar temas como violência contra mulheres,
gays e racial. A especialista diz, ainda, que é preciso repensar a educação dos
homens. “Eles se acham no direito de olhar para a mulher ou menina e falar
barbaridades. Que direito eles têm de largar uma gracinha? Homens são educados
para terem esse olhar invasivo e desrespeitoso para as mulheres. Parece que a
sexualidade masculina é vista como incontrolada. Você observa isso quando eles
dizem: ‘Foi ela quem provocou’.”, afirma a especialista.

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